Palestra de Rui Lopo / Seminário Internacional Fernando Pessoa e o Oriente, 1 de Março de 2013
Resumo
O questionamento histórico do cristianismo na cultura europeia implicou
um amplo movimento filosófico-crítico que foi acompanhado pela descoberta e
estudo das espiritualidades extra-europeias que o relativizaram. Neste quadro assiste-se
ao surgimento das obras dos grandes teóricos oitocentistas da religião existente em simultâneo com a
ampla expansão do movimento orientalista.
Procuraremos neste estudo situar Pessoa no quadro cultural do
orientalismo filosófico português, passando depois a apresentar uma cartografia
da diversidade de ocorrências do Buda e do Budismo na sua obra em prosa,
classificando-as em função dos géneros cultivados, do momento cronológico da
vida em que Pessoa se encontra ou do sujeito heterónimo de enunciação dessas
diversas posições teóricas.
Na obra em prosa de Pessoa, mostraremos, em primeiro lugar, representações
do budismo como um elemento constitutivo
de vários projectos literários. Isto será exemplificado mostrando-se fragmentos
destinados à peça dramática Shakyamuni,
ou nas referências ao nirvana, o qual
é tematizado como uma das metáforas que dizem a aniquilação da intranquilidade da
alma, no Livro do Desassossego.
Por outro lado, procuraremos dar olhar para o vasto e complexo
acervo pessoano (inédito e em organização) de notas pessoais de leitura,
apontamentos reflexivos e fragmentos mais ou menos concatenados destinados a
projectos de ensaios (de índole mais ou menos filosófica) a uma significativa
presença de referências ao Buda e ao Budismo que atestam o grande interesse que
Pessoa demonstrou pelo tema, o que o levou não só a realizar vastos e profundos
estudos, como a registá-los integrando-os nos seus próprios projectos
filosóficos. Assim, o budismo torna-se num dos elementos a convocar não só para
estudar a busca filosófica, sapiencial, espiritual e religiosa que Pessoa
empreendeu, – veja-se por exemplo a sua fase
teosófica (onde o budismo é assumido positivamente) – como ele é decisivo para bem entender e demarcar as originais propostas
teóricas que, a nível estético, moral ou da teoria da religião dão pelo nome de
sensacionismo ou neo-paganismo, assinados pelo ortónimo, por Ricardo Reis ou António
Mora (onde o budismo, por oposição, é criticado, a par do cristianismo e do
humanitarismo).
Rui Lopo (Centro de Filosofia, UL)
Licenciado em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi colaborador do projecto de estudo do espólio de José Marinho, depositado na Biblioteca Nacional de Lisboa. Tradutor de ensaio de língua francesa e inglesa. Prepara actualmente a redacção de uma dissertação de doutoramento intitulada “A Recepção Filosófica do Budismo na Cultura Europeia Oitocentista. Orientalismo e Representação da Universalidade” a apresentar na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Membro da direcção da Associação Agostinho da Silva e do grupo de estudo do seu espólio. Membro do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, do Instituto de Filosofia da Universidade do Porto, do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira e do Instituto de Estudos sobre o Modernismo. Autor de diversos artigos, especialmente na área da cultura e filosofia portuguesa e da filosofia da religião.